1.01.2011

MENSAGEM DE ALBERT EINSTEIN AOS SÁBIOS ITALIANOS

A BOMBA H, PRINCÍPIO OU FIM?

Acima de todas, deve pôr-se esta questão: Devemos escolher, como fim supremo das nossas aspirações, o conhecimento da verdade, isto é, em termos mais modestos, a compreensão lógica e construtiva do mundo acessível à experiência, ou esta aspiração ao conhecimento racional deve ser subordinada a outros objectivos, sejam eles quais forem, como por exemplo, os fins práticos?

A simples reflexão não pode dar uma resposta a este dilema. No entanto, a decisão tem uma influência considerável sobre o nosso pensamento e sobre o nosso sentido dos valores na medida em que tem um carácter inabalável de convicção.

Deixai-me confessar uma coisa: no que me diz respeito, a aspiração ao conhecimento representa um destes fins que se bastam a si próprios e sem os quais não é possível, para o homem que pensa, uma afirmação da existência.

Esta aspiração ao conhecimento tende, por sua própria natureza, para o domínio dos aspectos vários e multiformes das experiências, para uma simplificação e uma limitação das hipóteses fundamentais. Acreditar nestes objectivos finais, no estado ainda elementar das nossas investigações, é, por si só, um acto de fé. Sem uma tal fé, a convicção do valor intrínseco ligado ao conhecimento não pode ser, em minha opinião, nem forte nem sólida.

Esta orientação, por assim dizer religiosa, do homem de ciência para a verdade, não deixa de ter influência no conjunto da sua personalidade. Porque, fora dos dados experimentais e das orientações do pensamento, não existe para o investigador qualquer autoridade cujas decisões e opiniões possam servir de pretexto para a construção de uma «verdade».
Deste paradoxo resulta, como consequência, que um homem que dedica as suas melhores forças a realizações objectivas, torna-se, do ponto de vista social, de tal modo individualista que, pelo menos em princípios, se baseia apenas no seu próprio juízo.

É bastante fácil demonstrar que o individualismo intelectual e o poder cientifíco apareceram simultaneamente na história e, desde então, nunca mais se separaram.

Poder-se-ia objectar que o homem de ciência assim descrito não seria mais que uma simples abstracção, que seria impossível encontrá-lo, em carne e osso, neste mundo, e que, de certo modo, seria semelhante ao «homo-economicus» da economia clássica.

Pessoalmente, parece-me que a ciência, tal como ela hoje nos aparece, não teria podido nascer e permanecer, se não tivessem existido, no decurso dos séculos, homens de ciência como os que acabo de descrever.

É evidente que não considero homem de ciência aquele que aprendeu a utilizar instrumentos e adoptar métodos de trabalho que, directa ou indirectamente, parecem «científicos», mas só aquele que tem uma mentalidade científica viva.

Que lugar ocupará o homem de ciência na sociedade contemporânea? Ele é sempre orgulhoso do facto de que, de um ou de outro modo, e quase sempre indirectamente, o trabalho dos seus pares tenha transformado a vida económica dos homens ao ponto de fazer desaparecer, em muitos casos, o trabalho manual.

Mas ele está também angustiado pelo facto dos resultados das suas obras acabarem por constituir uma ameaça obscura para a humanidade, desde o momento em que os frutos das suas investigações caíram nas mãos daqueles que detêm o poder político. Ele é consciente do facto que a aplicação das suas investigações concentrou nas mãos de uma pequena minoria, em primeiro lugar, um poder económico e, depois, um poder politico de que depende estreitamente a sorte da massa dos indivíduos, a qual parece cada vez mais amorfa. Mas, ainda há uma outra coisa: esta concentração da força económica e política nas mãos de uns poucos não só levou o homem de ciência a uma submissão material exterior, como também para uma ameaça interna à sua existência, impedindo o desabrochar de personalidades independentes com a criação de meios refinados de influências intelectuais e morais.

De modo que vemos hoje delinear-se para o homem de ciência um destino verdadeiramente trágico. Amparado pelas suas aspirações para a clareza e para a independência exterior, ele forjou, por si próprio, com a sua força quase sobre-humana, as armas da sua sujeição exterior e do aniquilamento da sua personalidade. Ele tem que se vergar ao silêncio que lhe é imposto pelos detentores do poder político, é obrigado, como se fosse um soldado, a sacrificar a sua própria vida e, o que é pior, a destruir a dos outros, ainda que esteja convencido do absurdo de tal sacrifício.

Ele vê, com uma clareza absoluta, que a situação provocada pela história que deixa aos Estados a faculdade de dispor do poder económico e político e, por consequência, do poder militar, tem que levar ao aniquilamento total. Ele tem a consciência de que o homem só pode salvar-se se substituir os métodos da força bruta por um organismo jurídico supernacional.

Deste modo, ele é coagido a aceitar, como um destino imutável, a escravatura que lhe é imposta pelo Estado nacionalista. E ele humilha-se ao ponto de prestar-se, acatando ordens, ao aperfeiçoamento contínuo dos meios que levam à completa destruição dos homens.

Deve o homem de ciência deixar-se arrastar até um nível tão degradante?

Teria já passado o tempo em que a sua liberdade interior, a independência do seu pensamento e das suas investigações puderam iluminar e enriquecer a vida do homem? Teria ele esquecido a sua própria responsabilidade e a sua dignidade, nas suas investigações pela verdade científica? Um homem interiormente livre pode ser morto, mas não reduzido à escravatura nem transformado num instrumento cego.

Se o homem de ciência da nossa época encontrasse a ocasião e a coragem para avaliar, séria e serenamente, a sua posição e a sua tarefa, e depois, como consequência, se decidisse a actuar, renasceria então a esperança de encontrar uma solução razoável e satisfatória para a situação de perigo que, hoje, a todos ameaça.

Por detrás das muralhas do mistério, aperfeiçoam-se, com uma pressa febril, os meios de destruição colectiva. Se este objectivo for atingido, o envenenamento da atmosfera pela radioactividade e, por consequência, a destruição de toda a vida sobre o planeta, entrou no domínio das possibilidades técnicas. E tudo parece encadear-se neste sinistro desenrolar dos acontecimentos. 

Cada passo aparece como a consequência inevitável daquele que o precedeu. Ao fim da estrada recorta-se cada vez mais distintamente o espectro da destruição total.

Nós não podemos deixar de prevenir ainda e sempre; não podemos abrandar os nossos esforços no sentido de dar consciência às nações do mundo, e sobretudo aos seus governos, do espantoso desastre que podem estar certos de provocar, se não modificarem a sua atitude de uns contra os outros, e a sua maneira de conceber o futuro.

O nosso mundo está ameaçado por uma crise cuja amplitude parece escapar àqueles que têm o poder de tomar grandes decisões, que tanto o podem ser para o bem como para o mal. A potência desencadeada pelo átomo tudo modificou, salvo a nossa maneira de pensar e, deste modo, somos arrastados para uma catástrofe sem precedente. Para que a humanidade possa sobreviver, é indispensável uma nova maneira de pensar.

Desviar esta ameaça, eis o problema mais urgente do nosso tempo.
No momento decisivo - e eu espero este momento grave - gritarei com todas s forças que me restam.

Pensamentos: "Os que sabem não falam, Os que falam não sabem". (Lau Tseu 600 a.C.). "Quem perde a Pureza do coração, perde a Ciência". (Nicolau Valois, Alquimista, séc. XV). "O género humano quase perde a esperança de que seja possível deter esta loucura homicida e suicida". (Pio XII). 

"Para que a humanidade possa sobreviver, é indispensável uma nova maneira de pensar". (Einstein).

Albert Einstein
Transcrito do Livro: A Bomba H, Princípio ou Fim?
Autor: Charles-Noel Martin
Edição: Livros do Brasil, Lisboa

NB: Este livro foi dedicado ao grande público, aos estudiosos e a todo aquele de quem depender a sorte dos povos, por um homem especializado em questões nucleares, cujas comunicações, feitas à Academia das Ciências, em Novembro de 1954, tiveram grande repercussão em todo o mundo.






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