10.04.2014

Fotorreportagem da 4ª. Convenção Nacional de Dadores de Sangue na Carapinheira (1ª. Parte)

É PRECISO DESPERTAR CONSCIÊNCIAS









À guisa de intróito começo por ler o seguinte texto: “Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada já não podemos dizer nada”. (Vladimir Maiakóvski). Espero que tenham compreendido esta transcrição.

O movimento de repúdio pelas decisões e pelas políticas iníquas governamentais que infligiram um ataque sem precedentes ao mundo da dádiva de sangue, deve dizer respeito a todos, deve incomodar os mais acomodados. Quem se cala consente assim diz o Povo. O futuro da dádiva de sangue em Portugal é uma incógnita, e pelo que nos é dado observar nada está a ser feito para inverter o percurso.

Há ainda quem, estranhamente, continue calado face a esta incerteza. Muitos terão, suponho, desistido de se manifestar. Outros, tomados pelo medo, acomodados nos pequenos nichos de dadores que lhes vão aparecendo, ou extenuados pelo esforço necessário para conseguir os restos que a retórica instalada denomina “excelência”, aguarda-os a condição de nada poderem dizer por nada terem dito quando tinham voz na garganta e não fizeram uso dela quando seu dever era gritar bem alto. Ficaram a aguardar que acontece-se não sei bem o quê. Os resultados do silêncio estão à vista.

Os que ainda estrabucham e que não deixam que lhes roubem a voz da garganta mostram-nos obviamente duas coisas.

Soltar a voz da garganta apenas nas alturas de maior aperto não é a melhor estratégia para defender o dador, o associativismo e o futuro da dádiva de sangue, cujo tema nos leva a apreciar nesta 4ª. Convenção aqui na Carapinheira.

A outra é pior que a situação de crise, que todos temos de enfrentar, uma das formas de matar o pensamento e o labor dos dinamizadores da dádiva de sangue, esmagando a sua dignidade, sua dedicação, seu esforço, em prol de uma causa que dizem defender, mas, com o decorrer do tempo as suas atitudes vs decisões entram em contradição com os discursos sem substancia. Se só trabalhamos para a burocracia que nos tem sido imposta pelas entidades que oficializam e supervisionam as brigadas, não criamos, não inventamos novos métodos para mobilizar as pessoas, quando o alheamento se instalou na sociedade contemporânea, logo o futuro da dádiva passa a ser uma incógnita.

Há na sociedade um direito que não se discute – é o direito de pensar. O pensamento sem a liberdade é como a cabeça que planeia sem o braço que executa, como a vida sem ar que alimenta, sem o espaço em que se expande, sem o tempo que mede e a dilata, assim se expressou José Luciano de Castro no decorrer de um congresso de jornalismo.

Todos nós já pronunciamos vezes sem conta este lema: A UNIÃO FAZ A FORÇA E PODE FAZER A DIFERENÇA, reparando as injustiças que tem sido praticadas contra os dadores e contra as associações que os representam com legitimidade.

Prezados colegas e amigos, vamos fazer os possíveis para não darmos este tempo como perdido na medida em que, os assuntos que vão ser abordados nesta 4ª. Convenção diz respeito a todos, não apenas a alguns. Afinal de contas somos nós dirigentes que disponibilizamos os ouvidos e a cara, para ouvir o descontentamento dos dadores associados em cada associação ou núcleo, esses estão aqui a ser representados por nós, cuja responsabilidade devemos sentir na nossa consciência, sobre os nossos ombros. Os teóricos de gabinete nem querem saber quanto nos sacrificamos para manter os dadores nos locais de colheitas. Esses ainda nos confundem mais, com regras, imposições e condicionalismos.

Que possamos sentir nesta 4ª. Convenção o genuíno espírito do associativismo respeitante ao mundo da dádiva de sangue, sair daqui sem rancores, mais compreensivos uns para com os outros, apesar dos pontos de vista serem divergentes, motivados a seguir em frente, na esperança de que vão ser em breve implementadas regras justas para um reconhecimento efectivo público pela dignidade dos dadores de sangue e suas associações.

Ninguém se deve sentir condicionado para expor as suas dúvidas, sugestões ou problemas, pois a realização destas Convenções, apesar de alguns desvios, servem para isso mesmo, ainda que provoquem algum incomodo aos bem-intencionados.

Com efeito, parece querer teimar-se em manter os dirigentes associativos na ignorância das coisas – digo dos acontecimentos -, em querer continuar a proceder-se como se fôssemos subdesenvolvidos mentais. Quem nos julga desta forma está claramente equivocado, porque vamos continuar a incomodar por todos os meios que estiverem ao nosso alcance.

O tema desta 4ª. Convenção convida-nos a uma reflexão séria. O dador de sangue, paga para ser solidário, esta é a verdade nua e crua. Como se isso não fosse o suficiente é tratado como um objecto descartável, só é lembrado quando o sistema necessita do seu precioso líquido, usando para o feito a situação de risco de vida dos doentes para motivar à mobilização dos dadores.

Quanto ao associativismo no campo da dádiva de sangue, estamos de costas de voltas uns para os outros, como se de inimigos se tratássemos, quando devia ser o contrário. Com que interesses? Estou certo que, tanto o ministro da saúde como o IPST devem sentir-se satisfeitos com o divisionismo existente, considerando que a união entre as associações pode tornar-se perigosa, logo à que conservar a desunião.

Por fim, quanto ao futuro da dádiva de sangue, está no ponto que o ministro da saúde pretende que esteja, foi ele que contribuiu para chegarmos à presente situação, nem sequer demonstra estar preocupado com os estragos que provocou.

Para quem já me conhece, sabe que não sou de meios termos, não ficaria de bem com a minha consciência, se deixasse passar em claro, e sem protesto para fazer a seguinte declaração nesta Convenção: o actual ministro da saúde e os seus auxiliares têm as mãos sujas de sangue solidário dos dadores, sujando-as com esse sangue quando decidiu desrespeitar os dadores com a retirada da isenção das taxas moderadoras nos hospitais públicos, motivado por uma visão economicista, quando na verdade nem os dadores nem as associações dão prejuízo ao seu ministério, nem ao IPST se analisarmos os milhões de euros que são facturados por ano. Temos assim de pagar o que não devemos.

A terminar coloco a seguinte observação: os dadores e as suas associações são ou não necessários ao Serviço Nacional de Saúde? Se não somos dispensáveis, apelamos através desta 4ª. Convenção para que seja reposta a isenção das taxas moderadas além dos centros de saúde também nos hospitais públicos, num gesto claro de reconhecimento público e teremos de volta os dadores que deixaram comparecer, porque se sentiram usados, desrespeitados e ludibriados, é o que ouvimos das suas bocas com frequência.

Joaquim Carlos
Presidente da Direcção da ADASCA


Aveiro, 4 de Outubro de 2014 

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